A nova sistemática de habilitação de encargos derivados de contratos de ACC's
nas Recuperações Judiciais.
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Maicon B. Ippolito
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Com o recesso forense se aproximando, somada a pandemia do Coronavírus logo na retomada dos prazos processuais no ano de 2020, acabou passando despercebido por muitos operadores do direito, o acórdão no REsp nº 1.810.447/SP, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no mês de novembro de 2019, em que restou firmado o entendimento que todos os encargos oriundos de Adiantamento de Contrato de Câmbio deveriam ser habilitados nas recuperações judiciais de empresas.
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No referido julgado, o recorrente Banco do Brasil defendia o entendimento de que os encargos derivados dos ACC não deveriam ser habilitados nos processos de recuperação judicial, uma vez que seriam considerados obrigações acessórias e, sendo assim, poderiam ser executados em processos de execução por expressa previsão legal nas Leis 11.101/2005 e 4.278/1965, as quais descrevem que os créditos originados desses contratos, pelas suas características, são excluídos da recuperação.
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A Nobre Julgadora e a maioria de seus pares entenderam que as regras descritas nos artigos 49 e 86 da Lei nº 11.101/05 e artigo 75 da Lei nº 4.278/65 autorizariam apenas a exclusão do valor principal adiantado, em moeda corrente nacional, pela instituição financeira.
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O referido acórdão restou ementado da seguinte forma:
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RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ADIANTAMENTO DE CONTRATOS DE CÂMBIO (ACCs). ENCARGOS. SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. AUSÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. RISCO DE DECISÕES CONFLITANTES. INEXISTÊNCIA. 1. Impugnação de crédito apresentada em 16/10/2014. Recurso especial interposto em 21/6/2018. Autos conclusos à Relatora em 21/2/2019. 2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação jurisdicional, é definir se os encargos derivados de adiantamento de contratos de câmbio se submetem aos efeitos da recuperação judicial da devedora. 3. Muito embora os arts. 49, § 4º, e 86, II, da Lei 11.101/05 estabeleçam a extraconcursalidade dos créditos referentes a adiantamento de contratos de câmbio, há de se notar que tais normas não dispõem, especificamente, quanto à destinação que deva ser conferida aos encargos incidentes sobre o montante adiantado ao exportador pela instituição financeira. 4. Inexistindo regra expressa a tratar da questão, a hermenêutica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo. 5. Como é cediço, o objetivo primordial da recuperação judicial, estampado no art. 47 da Lei 11.101/05, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. 6. A sujeição dos valores impugnados aos efeitos do procedimento recuperacional é a medida que mais se coaduna à finalidade retro mencionada, pois permite que a empresa e seus credores, ao negociar as condições de pagamento, alcancem a melhor saída para a crise enfrentada. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (STJ - REsp: 1810447 SP 2019/0022563-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/11/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2019)
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Para melhor analise vejamos o que consta expressamente nos regramentos citados:
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- Lei nº 11.101/05 - Lei de Falência e Recuperação de Empresas – LFRE
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º , da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;
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- Lei nº 4.278/65 – Disciplina o Mercado de Capitais
Art. 75. O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva.
§ 2º Pelo mesmo rito, serão processadas as ações para cobrança dos adiantamentos feitos pelas instituições financeiras aos exportadores, por conta do valor do contrato de câmbio, desde que as importâncias correspondentes estejam averbadas no contrato, com anuência do vendedor.
§ 3º No caso de falência ou concordata, o credor poderá pedir a restituição das importâncias adiantadas, a que se refere o parágrafo anterior.
§ 4o As importâncias adiantadas na forma do § 2o deste artigo serão destinadas na hipótese de falência, liquidação extrajudicial ou intervenção em instituição financeira, ao pagamento das linhas de crédito comercial que lhes deram origem, nos termos e condições estabelecidos pelo Banco Central do Brasil.
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Não obstante, conforme salientado, o artigo 47 Lei nº 11.101/05, a Recuperação Judicial tem como principio garantir a preservação da empresa e, consequentemente, a preservação de empregos e dos interesses dos credores.
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Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
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Note-se que a melhor interpretação observada pela Nobre Julgadora e seguida pela maioria de seus pares foi a soma da literalidade dos textos que preveem a preservação da empresa somada a restituição apenas da importância adiantada. Descrevendo:
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"E, inexistindo regra expressa a tratar da questão na lei de regência, a hermenêutica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo".
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Analisados os termos do acórdão descrito, observamos que as empresas em recuperação judicial ou que estejam prestes a entrar com o pedido, em especial as exportadoras, foram profundamente beneficiadas, uma vez que, considerando a tamanha volatilidade do câmbio, muitas vezes a diferença da cotação na data da entrega do valor principal e a do vencimento, podem multiplicar por vezes o valor devido tornando-se um montante impagável.
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Ainda, na mesma decisão beneficiando as empresas em recuperação, a Ministra relatora observou que não haveria conflito de decisões, entre o juízo da execução e o juízo da recuperação judicial, uma vez que toda e qualquer decisão no processo executório que abranja quaisquer importâncias ou bens da empresa em recuperação estão sob a supervisão do responsável pelo processo de soerguimento.
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Ou seja, a grosso modo, se um bem ou valor em dinheiro fosse penhorado, além das medidas processuais existentes no processo executório, o juízo da recuperação possui o poder de desconstituição das medidas, pois possui total gerência sobre os atos que influenciem de alguma forma o plano de recuperação apresentado e homologado da recuperanda.
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Portanto, a decisão mencionada trouxe nova balizadora para a recuperação judicial que, além de majorar as chances de preservação da empresa, pode também, aumentar o poder de barganha das empresas junto a instituições financeiras na busca de melhores acordos para pagamentos, pois grande parte de seu crédito oriundos de ACCs seriam classificados como quirografários na linha de pagamento do plano de recuperação.
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